Discriminação
Manifesto de 20 de Novembro Questão Racial RacismoViva a resistência camponesa de Corumbiara(...) "Eita negro! Solano Trindade
O poeta carregava na pele negra as motivações de sua luta. Mas a
epiderme do artista não era o único motivo. A causa era maior, era da
maioria. Era a fome amontoada na maria fumaça da Leopoldina. Estava nas
caras tristes e cansadas que lotavam os vagões da locomotiva logo de
manhã, os rostos que, no mesmo trem, seguiam tristes e exaustos ao
entardecer. Francisco Solano Trindade, que completaria 100 anos em 24
de julho de 2008, cantava em seus versos a realidade dos morros, as
mazelas de um país adepto do racismo cordial. As situações acima,
presentes no cotidiano de milhares de brasileiros até hoje, tornam os
textos do "Poeta do Povo" incontestavelmente atuais e fazem do
centenário deste artista mais que uma data comemorativa. Solano
nasceu no bairro de Bom Jesus, em Recife, Pernambuco. Filho da
quituteira Emerenciana e do sapateiro Manoel Abílio, viveu em um lar
católico, apesar de seu pai incorporar entidades às escondidas. "Meu
avô se fazia de católico na frente dos outros, mas eu o via dentro do
quarto virar no santo e falar ioruba", afirma a folclorista, artista
plástica e escritora Raquel Trindade, filha de Solano. O
poeta não tinha religião nenhuma até conhecer sua primeira esposa,
Margarida, que freqüentava a Igreja Presbiteriana. A paixão pela mulher
com nome de flor levou o artista ao caminho religioso. "Uma negra me
levou a Deus", cantou em uma de suas poesias. Solano chegou ao cargo de
diácono na Presbiteriana, mas abdicou da vida cristã ao perceber que a
instituição religiosa não se preocupava com as dificuldades enfrentadas
pelos negros, nem com os problemas sociais. "Baseado em um versículo da
bíblia que diz ‘Se tu não amas a seu irmão a quem vês como podes amar a
Deus a quem não vês? ’ ele saiu da igreja", explica a filha do artista.De
cristão presbiteriano o poeta passa a militante comunista assim que
chega ao Rio de Janeiro, em meados da década de 40. Após filiar-se ao
partido de Luiz Carlos Prestes, Solano Trindade fez em Caxias a célula
Tiradentes na qual se reuniam operários e camponeses. "Papai tinha um
caixote de cebola que ele fazia de estante. Lá estavam juntos a Bíblia
e O Capital, de Karl Marx", relembra Raquel.Por
sua poesia carregada de significado e em virtude de seu engajamento
político, Solano foi preso duas vezes pela ditadura militar do Estado
Novo. Na primeira oportunidade, estava em um comício e foi solto logo.
Entretanto, na segunda vez, levaram-no à cadeia os versos da poesia Tem
Gente Com Fome, publicada no livro Poema de Uma Vida Simples, de 1944.
O poeta ficou desaparecido por alguns dias. "Os policiais chegaram
revirando tudo, dizendo que ele guardava armas em casa. A polícia o
levou e o manteve incomunicável, minha mãe de prisão em prisão
procurando por ele, até que o encontramos em um presídio na Rua da
Relação (RJ)".O Partido Comunista também não
supriu as necessidades igualitárias de Solano Trindade. Segundo Raquel,
para os correligionários do poeta o problema do negro era só econômico,
não racial. Descontente, o artista se desliga das atividades políticas,
mas já no fim da vida. "Apesar de tudo, papai morreu socialista."O Poeta do Povo A
preocupação de Solano era o povo. Grande parte de suas obras são
voltadas à valorização da cultura negra e à luta contra a desigualdade
social e racial no Brasil. Mas as mulheres também tiveram espaço entre
os versos do poeta, como pode ser observado no texto Linda Negra, do
livro Cantares do Meu Povo, de 1961. "Naquela Noite/ ficou o teu olhar
branco/ vagando no escuro/ entre ternura e medo/ teus olhos grandes/
dançavam como loucos/ na música do silêncio". "As grandes musas dele
eram o povo e as mulheres", afirma Raquel. Solano casou-se três vezes e
teve seis filhos, todos com sua primeira mulher.Além de
poeta, Solano Trindade era artista plástico, teatrólogo, ator e com a
primeira de suas três esposas, Margarida da Trindade, aprendeu o ofício
de folclorista. Foi na companhia de Margarida, e do etnólogo Edson
Carneiro que, em 1950, ele funda o Teatro Popular Brasileiro – TPB. O
casal Trindade ainda ajudou Aroldo Costa a montar o Teatro Folclórico,
rebatizado posteriormente como Brasiliana.Contrariando o
que dizem muitos sítios na internet, o poeta não participou da fundação
do Teatro Experimental do Negro. Segundo Raquel Trindade, o TEN foi
criado por Abdias do Nascimento. "O Abdias tinha os parceiros dele, mas
nenhum era papai", pontua. Na mídia pouco se houve falar
de Solano Trindade. Não era, e ainda não é, conveniente tocar nas
feridas não cicatrizadas da história. "Para a mídia é muito complicado,
amedronta falar sobre Solano Trindade", explica a filha do poeta. Tem gente que continua com
fome. O trem sujo segue carregando as caras tristes sem destino que
esperam a próxima parada. E os versos do Poeta do Povo permanecem
atuais, fazendo eco nos becos.
Solano das Artes em EmbuEm 1961, recém-chegados da Europa, Solano e um grupo com mais de trinta bailarinos estavam em São Paulo para a apresentação de um espetáculo, quando receberam do escultor Claudionor Assis Dias, o Assis do Embu, um convite para visitar a cidade paulistana. Assis já havia falado sobre Solano Trindade a outro escultor, Tadakio Sakai, ao qual propôs mais contato com o poeta para que Sakai levasse às suas obras a temática negra. A "caravana" na qual também estava a família de Solano, aceitou a proposta de Assis, que fez as vezes de anfitrião hospedando o grupo em sua casa. "Todo mundo dormia amontoado na sala", conta Raquel. Além de Sakai e Assis, já estavam em Embu artistas como a pintora Azteca e o também escultor Cássio M’Boy. Com a chegada de Solano, montou-se um movimento artístico coletivo no "Barraco do Assis". "Eles começaram a fazer festas que duravam três dias, faziam espetáculos na rua, exposições na rua, tudo isso em 1961", relembra a folclorista. Essas manifestações ajudaram a dar origem ao nome Embu das Artes, que fez do município paulistano um lugar conhecido internacionalmente.Em Embu, Solano virou nome de uma rua no centro expandido da cidade. Neste mesmo município, sua filha Raquel criou o Teatro Popular Solano Trindade e, juntamente com ela, netos e bisnetos do artista cuidam para que a memória do Poeta do Povo permaneça viva. No Recife, cidade natal do escritor, uma estátua de Solano em tamanho natural, feita pelo escultor Demétrio, encontra-se no Pátio de São Pedro. No Rio de Janeiro uma biblioteca leva seu nome e no Museu Afro Brasil, dentro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma foto ("feia", na opinião de Raquel) e um quadro relembram o artista. Seus poemas transpuseram fronteiras, fazendo com que ele conquistasse admiradores em países como Tchecoslováquia e Polônia. Solano faleceu em 1974, aos 66 anos, no Rio de Janeiro, para onde voltou já doente. Foi sepultado no Cemitério da Pechincha, em Jacarepaguá, ao contrário do que dizem relatos recorrentes de que o poeta teria sido enterrado como indigente. "Minha mãe e minha irmã fizeram para ele um enterro decente", afirma Raquel Trindade. Tem Gente com FomeSolano TrindadeTrem sujo da LeopoldinaCorrendo, correndo, parece dizerTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fomeEstação de CaxiasDe novo a correrDe novo a dizerTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fome, tem gente com fomeTem gente com fomeTantas caras tristesQuerendo chegar em algum destinoEm algum lugarSai das estaçõesQuando vai parando começa a dizerSe tem gente com fome, dá de comerSe tem gente com fome, dá de comerSe tem gente com fome, dá de comerSe tem gente com fome, dá de comerMas o trem irá todo autoritárioManda o trem parar- Shhhhiiiii!Fonte: Círculo Palmarino fonte:(http://www.circulopalmarino.org.br) Solano Trindade nasceu no bairro de São José
(Recife-PE), em 24 de julho de 1908. Filho do sapateiro Manuel Abílio e
da quituteira Emerenciana, mais conhecida como Merença. Ele foi pintor,
teatrólogo, folclorista, ator e, sobretudo, poeta da resistência negra.
Em 1936, fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura
Afro-brasileiro. |